No espaço de um ano, o Brasil viu irem embora dois de seus maiores acervos de arquitetura: o de Paulo Mendes da Rocha em setembro de 2020, e o de Lucio Costa, em outubro de 2021. Ambos foram doados à Casa da Arquitectura, em Portugal. Juntos, somam cerca de 20 mil itens. Os anúncios levantaram um caloroso debate sobre a conservação desses documentos, a atuação da instituição portuguesa e o que precisa ser feito para que os demais arquivos sejam mantidos no Brasil.
Neste episódio, que marca o início da segunda temporada do Betoneira Podcast, a equipe conversa com dois profissionais envolvidos nessa discussão – José Lira, professor da FAU-USP, e Nuno Sampaio, diretor da Casa da Arquitectura –, para entender as origens e as consequências desse movimento.
A FAU-USP tem quase 500 mil itens sob sua guarda. São algumas dezenas de coleções completas. E teria plenas condições de receber o acervo do Paulo Mendes da Rocha. Temos acervos da importância de Vilanova Artigas. E de outros contemporâneos do Paulo, como Carlos Millan, Eduardo de Almeida, Abrahão Sanovicz — José Lira
Pesquisador do tema, Lira acaba de publicar, com outros autores, um artigo sobre acervos de arquitetura na revista “Anais do Museu Paulista”, da USP. E, neste link, é possível conferir as coleções que formam o atual arquivo da FAU-USP.
Não tem nada de neocolonial. O importante não é a posse do material. É a capacidade – que ambos temos, nos dois lados do Atlântico – de conservar e recuperar o material para que possa ser escaneado. Acessível online, e não encerrado em uma área disciplinar. Ou seja, permitir que também não-arquitetos possam ter essa informação, a partir de qualquer parte do mundo. — Nuno Sampaio
Segundo o diretor, em janeiro de 2022 entra no ar a plataforma digital da Casa da Arquitectura, com os primeiros documentos brasileiros online. E, em 2023, estão previstas duas exposições sobre Paulo Mendes da Rocha, acompanhadas de um ciclo de atividades fora de Portugal.
E o que fazer para manter no Brasil arquivos de arquitetos como João Filgueiras Lima, o Lelé, Lina Bo Bardi e Oscar Niemeyer?
Uma das soluções – não é a única – é uma instituição como o CCA [Canadian Centre for Architecture]. Falta um mecenato privado, e não só em relação à arquitetura. Ele existe em outros países não só porque são mais ricos, mas porque existem formas jurídicas de incentivar esses apoios. — José Lira
Se queremos falar sobre manter a arquitetura, em primeiro lugar devemos falar em manter os edifícios. Em segundo, manter os acervos. E, depois, promover o conhecimento dos acervos. Se nós gastamos dinheiro em conservar, mas depois não damos acesso nem promovemos a investigação deles, a arquitetura nunca chega a ser valorizada. — Nuno Sampaio
Quem é José Lira: Formado em arquitetura e urbanismo pela Universidade Federal de Pernambuco e em filosofia pela Universidade de São Paulo, é doutor pela FAU-USP, onde é professor titular. Suas pesquisas se concentram nas áreas de história, historiografia e crítica de arquitetura e urbanismo. Entre 2010 e 2014, dirigiu o Centro de Preservação Cultural da USP.
Quem é Nuno Sampaio: Formado no Porto e mestre pela Escola de Arquitetura de Barcelona, tem escritório próprio desde 2000 e foi curador e organizador de diversas exposições e seminários dentro e fora de Portugal. Desde 2014, é diretor-executivo e curador da Casa da Arquitectura, também chamada de Centro Português de Arquitectura. casadaarquitectura.pt.